Pinheiros ganha mural com 400 rostos e mostra a força de sua comunidade
Pinheiros centraliza as contradições de São Paulo. Com o sol a pino, a correria de quem está cruzando a cidade imerso em sua própria necessidade de sobrevivência. Quando a lua chega, a comunhão boêmia que enche os bares de risadas altas, cerveja gelada, forró e hip hop, sem distinção de classe social. De segunda a sexta, mistura moradores e comerciantes antigos, feirantes, botecos fuleiros, adolescentes em patinetes elétricos e executivos de terno e gravata. Aos finais de semana, ferve cultura com ocupações, eventos e pessoas na rua.
Inspirado por caminhadas pela cidade, pessoas e histórias reais, o artista visual Guilherme Kramer cria um espelho cultural do que encontra nas ruas em sua arte nos muros. Neste final de semana, ele encerrou um mural de cerca de 8 metros de altura atrás do Largo da Batata, na rua Fernão Dias, o novo centro boêmio da região com retratos de cerca de 400 personas, reais e imaginárias, um retrato fiel da força da comunidade na região.
"Busco cartografias faciais, características individuais pra construir essas grandes multidões", explica em entrevista ao Asfalto. "A inspiração vem de muita coisa, da própria arquitetura caótica, os pisos fragmentados. A construção das pessoas e desses personagens são mixadas com muitas coisas."
Desbravar a cidade para criar outras realidades
O convite surgiu com o lançamento de um empreendimento na região no que antes era um terreno ocioso de frente para a Guaicus. "Meu trabalho tem uma característica forte de alteridade, de respeito ao próximo. Estou sempre dialogando. Você se ver no outro é algo muito importante numa cidade tão grande como São Paulo."
O mural que já é um ponto de referência na região reúne também alguns dos personagens que Kramer encontrou enquanto estava pintando. Para o artista, que já chega aos milhares de rostos pintados pela cidade, acredita no poder de revitalização da arte. "O grafite tem um valor muito grande em espaços marginalizados. Revitalização é um fato muito real, estava pintando um buraco entre a Doutor Arnaldo e a Paulista, e fiz um mural grande ali dentro. Estava pintando junto com moradores em situação de rua, usuários de crack. Pintando com branco, mostrando seus rostos, eles ficaram muito felizes, ficaram realizados. No final você muda a energia."
Para ele, o grafite já é parte da cultura de São Paulo, favorecido por sua arquitetura. "A forma que a cidade foi construída, muros extensos, altos, prédios voltando as costas pras ruas, falta de iluminação. É uma cidade muito bruta e os artistas urbanos, incluindo os pixadores, usam esses espaços como grandes telas para demarcar, deixar a rua mais bonita, com mais interação com os transeuntes. Hoje, a população abraçou essa ideia de que as coisas podem ser mais suaves, cada mural é um portal que te leva para outra imaginário da cidade."
Caminhar é cura
Caminhar pela cidade é a principal forma do artista enxergar de perto suas nuances e possibilidades. "Eu me curo caminhando por São Paulo, quando fico confuso, o caminhar me coloca numa linha de pensamento. Fazer grandes travessias urbanas, chegar num novo espaço e ter um olhar inaugural de tudo. Adoro essa sensação de você voltar a um espaço na cidade e ele já não ser mais o mesmo. Você estar a primeira vez em um espaço urbano te dá uma vivacidade muito grande e uma vivência muito boa da cidade."
Kramer não é bairrista, então usa suas próprias vivências morando em diversos cantos da capital para entender esse grande mosaico cultural que ela tem se tornado. "Eu mantenho a caminhada para manter essas novas impressões, um frescor da realidade desses espaços. Vou criando outros pontos de referência e expandindo minha consciência."
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