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Skate punk is not dead: Black Rainbows celebra oldschool e DIY na rua

Sté Reis

15/08/2019 15h59

Suicidal Tendencies mostrou que não é só uma banda, é uma religião (Ashley Osborn || Divulgação)

Falei aqui recentemente sobre a origem de Dogtown, o berço da cultura punk e skateboard na Califórnia. Há algumas entrevistas em eventos durante o ano, skatistas têm me comentado sobre a falta de contexto histórico para as novas gerações, que estão cada vez mais inseridas na ideia de competição e do tratamento do skate como esporte, que veio um pouco com o hype midiático que as Olimpíadas trouxeram esse ano.

Uma das fotos raras dos Z Boys em Santa Monica, exposta no evento "Black Rainbows", da Vans (Bruno Paoli || Asfalto)

A Vans me convidou para consultar os oráculos do skate oldschool e adentrar esse universo no evento Black Rainbows, em Venice, que na prática significa quando a rodinha do skate risca a parede rabiscando um arco-íris preto. O time para falar sobre o assunto não poderia ser mais adequado: Tony Alva, Henry Rollins (ex-Black Flag), show do Suicidal Tendencies, banda X, todos veteranos com pelo menos 40 anos de cena.

Morte de Jay Adams e o skate como lifestyle

Jay Adams, uma do asfalto, usando o Era, primeiro tênis de skate da história com design de Tony Alva e Stacey Peralta (Fotógrafo desconhecido)

Há exatamente cinco anos, a morte do skatista Jay Adams, um dos ZBoys, e o que mais colaborou para que o skate se tornasse um lifestyle, deixou um vácuo muito grande na estrutura da cultura. Algo que podemos comparar à morte do Chorão no Brasil. Ele era um cara que ia contra o sistema, era agressivo e expressava sua indignação com a vida pobre, o subemprego da mãe, quando subia no board. Ele negou patrocínios e encontrou no punk uma cultura marginal que o ensinou a fazer qualquer coisa mesmo sem recursos. Ainda assim, Adams era ativo e respeitado na comunidade, usou a sua fama local para ajudar a construir pistas, conversar com jovens em situação de risco e escrever sobre o que achava essencial na mídia independente. Todo ano é feito um memorial a ele na cidade.

No evento, que relembrou todo o início da trajetória do skate, Alva fez questão de relembrar o amigo como parte essencial dessa história. "Ele tinha uma energia espontânea, incontrolável, um estilo diferente de fazer as coisas. Jay era um cara transgressor, fazia coisas inimagináveis. Ele olhava para qualquer coisa na rua e tinha uma ideia para manobrar ali, era inacreditável". Para acompanhar melhor essa história, recomentamos o documentário, "Legend Award: Jay Adams", em que Tony Hawk também comenta sobre o skatista. "Ele pensava muito na atitude, não se importava com o que iam pensar, faça porque é divertido, apenas divirta-se e não se preocupe sobre o sucesso ou a consequência dele."

Faça você mesmo é o coração da cultura do skate

Black Rainbows celebrou a cultura faça você mesmo com a exposição de flyers de bandas de Punk Rock dos anos 70 (Bruno Paoli || Asfalto)

No início, a cultura punk e o skate sempre andaram juntos. Muito porque nos anos 70, tanto no Brasil, quanto na Califórnia, ainda não existiam pistas, a economia estava quebrada, muitos jovens à margem e o que manteve a cultura viva foi o improviso. Eles improvisavam flyers (início da cultura de zines, muito forte no Brasil atualmente), improvisavam shows, skates e no jeito de viver. Era basicamente sobrevivência.

Em um painel sobre a relação da cultura punk com o skate, Rollins foi enfático ao dizer que mesmo longe dos palcos com o Black Flag, essa energia é o que mantém vivo. "Você tem que manter essa energia, manter a roda girando para as pessoas ao redor de você. Eu tenho 58 anos e ainda preciso disso para continuar seguindo, nunca ser menos do que criativo, de buscar coisas boas. Se divirtam, tenham uma banda, vá a shows, vá a exposições, viu algum evento interessante, vá. E nós nos encontramos lá, somos uma alternativa ao que encontramos por aí, não queremos mortes em quartos decadentes, excesso de drogas e ódio, nós somos a alternativa a tudo isso. Quanto mais velho fico, mais isso se torna meu combustível."

O underground e a cultura do faça você mesmo está mais viva do que nunca (Bruno Paoli || Asfalto)

Para Rollins, a cultura underground, assim como o skateboard deve ser um contraponto ao racismo, a homofobia e a discriminação social. "Nós temos que ser uma alternativa ao que está lá fora, não podemos admitir tiroteios, perder uma oportunidade de trabalho porque é mulher. Nós temos que ser mais inclusivos, menos críticos e manter o punk rock com essa energia inclusiva que temos fomentado há décadas", comenta.

Em um momento que a cultura urbana encontra seu auge comercial e cada vez mais ganha a atenção do mainstream, é sempre importante lembrar de onde tudo isso veio: de um ambiente periférico, renegado, transgressor, de meninos e meninas de cabelo sujo, tênis rasgado e com vontade de fazer acontecer independente das circunstâncias. Deixamos aqui nosso "Ride in peace, Jay Boy", mas o seu legado está mais vivo do que nunca.

Sobre a autora

Nascida e criada na periferia de São Paulo, Sté Reis estudou Jornalismo na São Judas e desde então escreve sobre sua relação com as ruas da capital. Se especializou em cultura underground, música e feminismo, foi repórter em UOL Entretenimento e tem textos publicados no Zona Punk, Youpix, Brainstorm9, Deepbeep, Rolling Stone, MTV e Facebook Brasil. É assistente de conteúdo do DJ Marky, do rapper Projota, e compartilha seus achados no Malaguetas, há mais de dez anos no ar.

Sobre o blog

Histórias de quem ocupa a cidade e dicas de intervenções urbanas, música, cultura pop e esportes de rua para quem encara o asfalto de São Paulo e busca novas formas de viver a capital.

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