72 horas em Dogtown, o berço do skate na Califórnia
Na última semana, o Asfalto fez a sua primeira viagem à Venice, no coração de Los Angeles, em busca de respostas sobre o berço da cultura de skate californiana. Uma cidade que era uma favela à beira-mar e que se tornou a principal referência de cultura de rua no mundo.
Entre conversas com skatistas pioneiros, entusiastas e jornalistas locais, fizemos um roteiro com os principais pontos para quem for viajar em busca dos melhores picos e fazer um roteiro histórico por Dogtown, uma pequena vizinhança de um pouco mais de 1.4KM retratada no filme "The Lords of Dogtown", lançado nos anos 2000, e que mostra o surgimento dos Z-Boys, a crew de skate que deu origem à uma cultura mundial.
Hoje, considerada uma cidade muito liberal por causa de suas leis mais frouxas de migração, consumo de maconha e da herança da contracultura hippie do fim dos anos 60, Venice é uma cidade gentrificada pelo skate, sua principal contradição. Levando em consideração que nos anos 70 era um lugar abandonado, com tretas de gangues, traficantes e jovens à margem que sofriam os efeitos do pós-Guerra do Vietnã, ver apartamentos no mesmo local custando até US$ 1 milhão, mostra o impacto que o skate teve na economia de Santa Mônica.
O que é Dogtown
Dogtown é uma referência a uma piscina que foi esvaziada durante uma seca nos 70, quando os skatistas começaram a desbravar os bowls. A piscina de Dino, skatista com câncer terminal, foi batizada de Dog Bowl por Jay Adams, Stacey Peralta e Tony Alva, o time principal do Zephyr, por causa da quantidade de cachorros que circulavam por lá.
"Dois séculos de tecnologia norte-americana criaram um grande playground de concreto com potencial ilimitado. Mas, foi a mente de crianças de 11 anos que puderam enxergar seu potencial", descreve Craig Stecyk, em 75, um dos Z-Boys. "Nós criamos uma revolução", diz Tony Alva no evento Black Rainbows, da Vans, que celebrou o lançamento do primeiro tênis de skate da história, o Era. Tony, Peggy Oki (primeira skatista pró e primeira a ganhar um campeonato entre os Z) e Jeff Ho, o pai da crew, falaram sobre o início dessa cultura.
"Essa vizinhança tinha um sabor urbano", explica Tony. "A gente tinha esse cárater urbano que se diferenciava das outras praias na Califórnia. Eu tentava me encontrar no surf e começaram a chegar vários caras nessa mesma busca. Eu dava esse espaço para os garotos e criava um ambiente seguro para se expressar, eles faziam isso no surf e depois no skate. Nossa crew de skate virou o time de competição do Zephyr. A gente andava de jeans rasgados, meias de cano alto, Vans e a camiseta azul do Zephyr, isso criou um estética."
Pier de Santa Mônica
O pier de Santa Mônica foi onde o surf começou a deslanchar como cultura nos início dos anos 70. Eles eram extremamente bairristas e hostilizavam qualquer estrangeiro, mesmo da Califórnia, o que deu muita briga quando descobriram que esse era o melhor point de surf da Costa Oeste. É deles o termo "Locals Only", que era pixado nos muros de Santa Mônica para espantar surfistas de outras cidades.
Uma praia com ondas regulares e que lançou grandes surfistas, considerada um pico exclusivo dos locais, mas só tinha onda até 10h da manhã. Por isso, eles começaram a adaptar pranchas em tábuas de madeira com rodas de patins e levaram o surf pro asfalto, o início de uma comunidade que compartilhava gostos em comum. É um ponto importante do roteiro, com várias referências na cultura pop, e com o Santa Mônica Pier, que abriga um parque de diversões com várias opções de diversão e comida.
Graffiti Walls
Se você quer fazer um roteiro pela cidade, vai encontrar na rua suas principais tradições. Lojas como a Zephyr Store, onde Jeff fabricava pranchas de surf e shapes, não resistiram as mudanças, ainda que continue vendendo skates oldschool.
A maior quantidade de grafites da região está em Venice. No centro da cidade e lugares mais comerciais, pixar é inclusive proibido. Mas, na orla de Venice e nos becos até Santa Mônica, os principais grafites fazem referência aos ZBoys, a cultura do skate e seus principais expoentes. As tags ainda são mais próximas do grafite oldschool, criado na época por gangues, punks e imigrantes latinos.
É interessante dizer que esses grafites foram a principal inspiração de Jeff Ho para criar uma identidade autêntica para o skate, mais inspirada na rua e menos nas cores da natureza que faziam parte da ilustração das suas pranchas de surf. Isso deu início a toda uma cultura de customização e de design específico para o skate.
Juice Magazine
Encontramos o escritório da Juice na orla de Venice e é uma parada obrigatória para quem quiser ouvir histórias da época. Lá é a casa de Terri Craft, que se mantém onde morava, e foi a primeira jornalista a imprimir zines sobre skate nos anos 80. Ela nos recebeu com muito carinho e compartilhou histórias e desafios da comunidade. Sua casa tem obras originais de Shepard Fairey, fotos originais de shows de bandas como Black Flag, Fugazi e um grande acervo da tradição do skate punk. Além de fotos e memoriais a Jay Adams, um dos editores da revista e um dos três principais ZBoys, que morreu em 2014, surfando, aos 53.
Venice Beach
A principal atração para skatistas na região é a Skatepark que fica no centro da praia. "Demoramos mais de 30 anos para conseguir construir aquela pista", explica Terri. "Nos reunimos e fizemos diversos pedidos ao governo para que considerassem nosso projeto ao invés de fazer um paisagismo na praça em que os skatistas andavam e que seria destruída. Conseguimos tirar jovens da rua e da marginalidade dando a eles o pertencimento a uma comunidade". A pista é uma das principais atrações da praia, reunindo centenas de skatistas diariamente. Mas, é na rua em que tudo acontece, então bancos, gaps, bordas e obstáculos são ótimas opções para quem é apaixonado pelas fortes emoções do skate street.
Dicas gerais
– é possível levar o skate sem despachar, mas é importante considerar uma skate bag. Na volta, a taxa da alfândega vai ser proporcional a quantidade, mas é tranquilo se você montar um skate lá e trazer pro Brasil
– a cultura canábica é um ponto forte na região, mas não permitida a turistas. A venda de maconha na Califórnia somente é feita com prescrição
– por mais que seja atraente, não é permitido beber na praia. A multa é tão salgada quando a água do mar
– a orla conta com diversas opções de lojas de skate, como a Maui Skateshop, uma das mais tradicionais
– andar na rua é muito comum e os pedestres costumam pedir manobras, dar passagem e tratar skatistas como heróis. Mas, não recomendamos que desrespeitem as leis de tráfego
– fique atento e use a criatividade: existe um boulevard específico para manobras de street na Skatepark, opções de borda infinita em Santa Mônica, escadarias e espaços que se assemelham a uma versão melhorada de picos paulistanos como a Roosevelt. Have fun!
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