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Um guia para mergulhar na cultura sound system de São Paulo

Sté Reis

13/11/2018 18h01

O dançarino Jimmy à frente do sound system do Dubversão (Divulgação / RBMF)

Enquanto a rua Augusta ainda começava a ferver com rolês de indie rock no início dos anos 2000, os pôsteres nos postes e muros do centro já convidavam para um inferninho reggaeado: a festa Java, berço da cultura sound system de São Paulo. Promovida pelos pioneiros Dubversão, não demorou para que o coletivo ganhasse as ruas em sinergia com as festas de jungle nas praças da Zona Leste.

Hoje, com mais de 300 sistemas de som espalhados pela cidade e chegando aos 20 anos de música na rua, São Paulo se fortalece como um dos polos mais inovadores do reggae, com produtores ousando além do roots, coletivos de minas, aparelhagens sofisticadas, autenticidade, parcerias no mainstream e muita vontade de fazer acontecer.

Alguns dos principais seletores brasileiros contaram ao Asfalto o que mantém a cultura viva, onde encontrar os DJs com os melhores garimpos e os nomes que estão levantando a moral da cena festa a festa.

Brasil é referência na cultura soundsystem

Buguinha Dub tem mais de trinta anos de cultura sound system (Divulgação / RBMF)

Pesquisador incansável da cultura sound system, Buguinha Dub [ouça], de Olinda, já tocou com Nação Zumbi, Racionais e é um nome de peso entre os seletores. Para ele, a cena no Brasil está em sua melhor fase. "O Brasil se tornou a maior referência em resgatar a cultura SS. Na Europa, já rolava há muitos anos. Mas com o boom no Brasil, tem vindo muita gente e dando uma energia massa, fortalecendo a cultura."

Para Negu Edmundo [ouça], a evolução já é perceptível nos relacionamentos com os produtores gringos. "A cena reggae sound system evoluiu tanto e tem rolado bastante intercâmbio, principalmente de jamaicanos vindo gravar e cantar nas festas aqui e brasileiros indo gravar e cantar nas festas na Europa. Alguns exemplo, são o Scientist, King Jammes, caras que dão palestras, fazem som com a galera."

Um dos fundadores do selo Dubversão [ouça] e da festa Java, Yellow P acredita que a forma de fazer é um dos grandes diferenciais nacionais. "Os gringos pagam um pau pra cena brasileira, a gente é de fazer, não é da teoria. Em SP, tem uma cena de verdade, centenas de sound system, é uma coisa que eles tinham na Jamaica nos anos 80. O pessoal da América Latina, Portugal, Chile, acompanha a cena aqui como se fosse novela da Globo no Facebook."

Sisters no comando

Lai di Dai é a pioneiras entre as mulheres da cena, a frente das caixas da GUETO PRO GUETO SS (Divulgação / RMBF)

Lei di Dai [ouça], pioneira entre as mulheres, acredita que quando as minas passaram a cantar nas festas, a cena ganhou mais pluralidade. Mas, foi com a conquista do próprio equipamento que elas passaram a ter uma presença mais forte. "Quando comecei a cantar nas caixas do Dubversão, só tinha Marietta Massa Rock e Lei Di Dai. Desde 2012, tenho minhas próprias caixas GUETO PRO GUETO SS e isso me trouxe uma independência maravilhosa", conta. "Hoje tem várias manas no movimento e é super bacana inspirá-las a fazer o corre, acreditar na música, fazer turnê na gringa, isso é importante para o movimento crescer. Desde 2009, estou fazendo turnês na Europa para expandir o som ainda mais. Esse ano cantei em três cidades na Austrália e tive um retorno surpreendente. É trabalho e dedicação 100% a cultura sound system. É amor e respeito a reggae music e suas vertentes."  

Junto com os projetos Feminine Hifi e Ruído Rosa, as Sound Sisters [ouça] (de São Carlos) focam na história das vozes femininas na história do reggae, uma forma de apresentar e dar destaque para as manas que ajudaram a pavimentar a cultura. Para DJ Tuti, parceira de Lioness Pê no duo, as festas vão muito além da música. "É diferente de DJs profissionais, não é só a mixagem no tempo da música. A gente faz seleção de vinil atrás de vinil, usa muito o microfone para explicar a história por trás da faixa, é uma apresentação dinâmica", explica.

O reggae salva vidas

Lioness Pê (à esq.) e DJ Tuti (à dir.) são as Sound Sisters (Divulgação / RBMF)

"A gente percebe que as pessoas se tornam melhores quando estão nas nossas festas", diz Tuti. "Desde o Java, em São Paulo, existe um público fiel, a gente faz amigos e o reggae conseguiu reeducar essas pessoas. A música é um instrumento de educação. Além de transmutar a energia, transmite uma mensagem de luta, de identificação. A música, é um instrumento de cura energética, é um instrumento de transformação, aprendemos coisas que não foram contadas na escola, o reggae é instrumento de luta pra mudar a mente das pessoas."   

Yellow P diz que as festas na rua criam um ambiente mais democrático. "Com as caixas, a gente toca no nível do público. Quando fazemos um DJ set, a gente faz sessões de três, quatro, cinco horas. Mais do que um show, a gente conta uma história. Às vezes fica mais político, a gente sempre pauta a nossa música na mensagem do reggae, amor, união, não tanto a mensagem do reggae que ficou conhecido como reggae nacional, mas uma mensagem mais militante. A gente carrega uma ideologia forte, não é só business."

Tuti complementa que disseminar uma cultura de raízes afrodescendentes carrega a responsabilidade de resgatar ancestralidade cultural. "A música te pega pelo ritmo, mas vai acabar te levando para a história. Ela contribui diretamente para contar o que não é explicado nas escolas. O reggae carrega essa história da diáspora negra, de luta, e isso pode abrir a mente de muitas pessoas."

"O reggae salva vidas", pontua Yellow P. "O Java existe desde 2004, tem casais que se formaram lá. Crianças que nasceram de encontros no clube Susi em Transe. O Jimmy [foto de capa] morava na rua e era faxineiro, hoje ele tem casa, trabalha na Patuá discos, dança no Ramiro, no Bixiga 70. O reggae já transformou muitas quebradas e comunidades e a galera pede reggae porque é outra vibe. A galera fuma mas não arruma confusão, o índice de tretas numa festa de reggae é quase zero. Na minha festa nunca teve uma briga. Tudo é uma reflexão da mensagem." 

Para acompanhar a cena

Tuti diz que além de perceber mais minas estudando a parte técnica dos SS, ela vê a cena se tornando mais autoral. "Muitos seletores estão ampliando o reggae, misturando com outros estilos, linkando com os gringos. Tem o Jeff Boto, do Dubatak, tem o Monkey Jhayam [ouça], que tá levando a cultura pro mainstream com o lançamento de "Pulele" com a Gaby Amarantos. É uma parada autoral, de colocar mais a identidade do Brasil". Yellow também recomenda Monkey como um nome frutífero na cena. "O Monkey lançou tanto disco que acho que nem ele mesmo consegue acompanhar", diz entre risos. "Ele é muito fértil no estúdio, criou o próprio flow, tem a própria característica."

Yellow também recomenda Agatha Sam, que tem um background mais do dubstep. "Ela tem uma cabeça muito pra frente, noção de melodia. A Marina Peralta também é um bom nome pra acompanhar". Negu menciona a JAVA do Dubversão Sistema de som, como parada obrigatória. Assim como a Fresh Dancerrall, que rola aos domingos em Guarulhos com Djanguru sistema de som na rua na praça. Outro artista mencionado pelos coletivos é o Digital Dubs, coletivo do Rio de Janeiro, que lançou recentemente um feat com Tom Zé e Lee Scratch Perry.

Todos os coletivos se encontram no próximo festival da Red Bull Music, no palco Concreto Som Sistema. Vale a pena dar uma buscada nas festas de todos os artistas para ver de perto como o fluxo tem rolado. Como finaliza Lei di Dai: "Existimos na cena e estamos a todo vapor."

Data: Sábado, 24 de novembro, a partir das 21h
Local: Fabriketa – Rua do Bucolismo, 81, Brás.
Ingressos: R$ 20 a R$ 40, disponíveis pelo site

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Sobre a autora

Nascida e criada na periferia de São Paulo, Sté Reis estudou Jornalismo na São Judas e desde então escreve sobre sua relação com as ruas da capital. Se especializou em cultura underground, música e feminismo, foi repórter em UOL Entretenimento e tem textos publicados no Zona Punk, Youpix, Brainstorm9, Deepbeep, Rolling Stone, MTV e Facebook Brasil. É assistente de conteúdo do DJ Marky, do rapper Projota, e compartilha seus achados no Malaguetas, há mais de dez anos no ar.

Sobre o blog

Histórias de quem ocupa a cidade e dicas de intervenções urbanas, música, cultura pop e esportes de rua para quem encara o asfalto de São Paulo e busca novas formas de viver a capital.

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